Nabucodonosor ajoelhado
observa tensamente sobre a terra
um bloquinho de argila já secado
– ou melhor, só a ponta. Desenterra
o resto da plaquinha com cuidado
pois sabe que este barro duro encerra,
em marcas já não tão bem definidas,
palavras há milênios esquecidas.
Com medo de causar-lhe dano, escava
a tábua, que lhe impinge um outro medo:
que poder tem o texto que gravava
o escriba muitos séculos mais cedo?
É uma maldição tremenda e brava
que está escrita ali? Ou um segredo
sombrio, poderoso e moribundo
numa língua banida deste mundo?
Seria a voz de Anu, o poderoso,
sobre a argila úmida prensada?
A dor de um Dumuzi lamurioso
morrendo pela Inana namorada?
Os versos dedicados pelo esposo
escriba para sua idosa amada
gravados meios displicentemente
durante um mais tranquilo expediente?
Talvez seja a história de Sargão
saindo lá de Acade, a sua terra,
levando seu império em direção
ao Mar Vermelho através da guerra,
criando um reino cuja imensidão
antes não teve igual em toda a Terra
– mas que era tão pequeno comparado
ao do rei que escavava o barro assado…
E assim, temente como os velhos sábios,
mas empolgado como uma criança,
Nabucodonosor abria os lábios
num riso de feliz desconfiança.
Que sensação feroz os alfarrábios
perdidos lhe causavam, que esperança!
Igual só sentiria o escavador
das placas de Nabucodonosor.